Relatório aponta 264 projetos em operação sem transparência
A implementação de ferramentas de reconhecimento facial por órgãos de segurança pública no Brasil cresce sem transparência e mesmo sem análises de impacto. Segundo o relatório “Vigilância por Lentes Opacas: Mapeamento da Transparência e Responsabilização nos Projetos de Reconhecimento Facial no Brasil” o panorama é preocupante, reforça discriminações e desigualdades. Por isso, defende, essas tecnologias deveriam ser banidas.
A pesquisa, conduzida pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC) e o Laboratório de Políticas Públicas e Internet (Lapin), avaliou 50 projetos em todas as regiões do Brasil, destacando a opacidade em torno do uso, dos custos e da eficiência desses sistemas. Ela mostra que, desde 2019, por conta da liberação de recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública, a utilização de câmeras de reconhecimento facial tem crescido no Brasil, mas sem a devida transparência sobre seu funcionamento.
O relatório aponta que 264 projetos estão em operação, potencialmente monitorando 75,4 milhões de brasileiros. No entanto, faltam dados claros sobre as empresas fornecedoras, operadores, gastos e impacto na segurança pública. “A implementação dos projetos avança aceleradamente sem que haja garantias de proteção dos direitos fundamentais, tornando os espaços públicos verdadeiros laboratórios de experimentação de tecnologias”, diz o documento.
O relatório indica que a falta de regulamentação e a ausência de mecanismos de transparência abrem espaço para abusos e erosão dos direitos fundamentais, pedindo uma revisão urgente dessas práticas e um debate sobre a proibição do uso da tecnologia em espaços públicos.
Um dos achados mais preocupantes é a ausência de relatórios de impacto em 80% dos casos, além da falta de políticas adequadas de proteção de dados em 75% dos projetos. O estudo denuncia que, apesar de ser uma ferramenta promovida para segurança, a tecnologia falha em reduzir efetivamente a criminalidade e apresenta riscos de discriminação, especialmente contra populações negras, que representam 90% das prisões realizadas com o uso dessa tecnologia.
“O tratamento de dados coletados para fins de segurança pública por meio das tecnologias de reconhecimento facial é realizado sem salvaguardas mínimas, desconsiderando os riscos associados à tecnologia e a despeito da emenda à Constituição da República que incluiu o direito à proteção de dados como direito fundamental autônomo, dos princípios da administração pública e da regulação infraconstitucional. Na prática, observa-se a expansão e dispersão de projetos em todo o território nacional sem a devida regulamentação, padronização tecnológica e adoção de mecanismos de publicidade, transparência e avaliação do uso dessas tecnologias como política pública.”
A análise aponta, ainda, que a descentralização dos projetos de segurança pública, com a aquisição por diversos municípios, levanta preocupações sobre um possível processo de desresponsabilização no uso dessa tecnologia, por meio de sua pulverização sem diretrizes e normativas básicas de uso. Cada entidade decide sobre qual tecnologia utilizar, o tipo de software, as empresas fornecedoras, os bancos de dados a serem empregados, os requisitos de análise de vídeo e as localidades onde serão implementadas.
Assim, a crescente implementação das tecnologias de reconhecimento facial no Brasil é marcada por uma “alarmante falta de transparência e prestação de contas” que “expõem os labirintos burocráticos da política pública de segurança que produz riscos desnecessários e flexibiliza os direitos das pessoas”.
Daí a conclusão de que “o banimento do uso de tecnologias de reconhecimento facial no Brasil, especialmente em atividades de segurança pública, é uma medida urgente e necessária. Sem garantias de transparência, controle social efetivo e respeito aos direitos fundamentais, a continuidade dessas práticas não só perpetua desigualdades e discriminações, como também enfraquece a confiança da população nas instituições públicas”.